A mentira por trás do nome Aston Martin na F1


     Depois de meses fora, eu voltei. Estava com saudade de meter a discórdia por aqui, e nada como incendiar um debate escrevendo uma análise ultrapolêmica. Como eu sempre digo, embora eu seja o ditador tirano deste blog, aqui a liberdade de expressão é garantida, logo, se quiser me elogiar, criticar, xingar, ameaçar minha família, ou qualquer coisa do tipo, a caixa de comentários está logo abaixo. 

    Primeiro de tudo, vou falar algo que se mostrou clichê nos últimos anos, mas precisamos falar de Lance Stroll. Reclamar de Lance Stroll é meio ultrapassado, eu sei, é algo 2017, mas ainda sim, há coisas que precisam ser comentadas. Nos últimos anos surgiu a mais nova tendência da moda que é dizer que Stroll é um ótimo piloto, que esse papinho que ele é um ''filhinho de papai que só está na F1 por causa do dinheiro'' é velho, que ele tem mostrado o talento dele, dentre outras tantas coisas.  Realmente, Stroll-filho não é um desastre total, o que não diz muita coisa, até porque já vimos pilotos como Vitaly Petrov, Adrian Sutil, Kevin Magnussen e outros que tiveram seus brilharecos, ainda que não fossem grande coisa. Este texto não é uma crítica a pilotagem de Stroll ou qualquer outro piloto pagante, e sim uma crítica ao modelo de gerenciamento adotado pela Aston Martin desde sua chegada a F1.

    Uma breve recapitulação. Lance Stroll chegou à Fórmula 1 em 2017, com recém-completados 18 anos, para substituir ninguém menos que Felipe Massa na Williams. O pai bilionário do jovem garoto investiu milhões para seu filho não fazer feio nas suas primeiras corridas na F1. Comprou um carro da Williams de 2014 para Lance dar umas voltas e ofereceu montes de dinheiro para Valtteri Bottas e mecânicos e engenheiro da Williams para supervisioná-lo em testes privados em 10 das 20 pistas do calendário da F1 de 2017. Além disso, Lawrence contratou renomados engenheiros para a Williams, deu um simulador de ponta para a fábrica em Grove, além de trazer o engenheiro Luca Baldisseri, que tinha 2 décadas de Ferrari nas costas, para cuidar da carreira de Lance. Não funcionou, já que as primeiras corridas de Lance na F1 foram um desastre, embora tenha conseguido um pódio (na sorte) no Azerbaijão. Depois disso, a Williams construiu um carro horrível para 2018, a relação com Lawrence azedou, e este decidiu comprar a falida Force India, e o resto todos sabem.

    Desde a compra da Force India, em 2018, Lawrence vinha tentando arranjar um nome maneiro para sua equipe. Tentou Brabham, mas os descendentes de Jack Brabham obviamente não queriam ter seu nome explorado para um projeto particular de Stroll. Posteriormente, ficou muito próximo de usar o nome ''Lola'', lendária fabricante de carros de corrida (e uma das piores equipes de F1 da história) que faliu em 2012, o que também não rolou. Decidiu iniciar a temporada de 2019 com o genérico ''Racing Point'', um belo nome de academia de Madureira, enquanto procurava um nome minimante vendável. E um ano depois, com a crise na Aston Martin, o empresário canadense decidiu se tornar acionista-majoritário da fabricante britânica e trazer o tradicional nome de volta para a Fórmula 1.

    Pode ser um nome muito legal de se ver no grid, é verdade, mas é um verdadeiro Cavalo de Troia para nós, fãs do automobilismo. Desde antes da chegada de Lance Stroll à F1, seu pai vem usando sua fortuna para mover montanhas e fazer de Lance um futuro campeão mundial. Além de ter investido pesado na formação automobilística de seu filho, Lawrence vem fazendo pesados investimentos  na antiga Force India desde sua aquisição, em 2018. Logo após a compra, construiu uma nova fábrica, contratou engenheiros da Mercedes e Red Bull, tem planos de quadriplicar o número de funcionários na equipe e tem como meta se tornar a maior força do automobilismo em ''3 a 5 anos'', de acordo com Andy Stevenson, diretor-esportivo da equipe.

    Assim, chegamos a seguinte pergunta-problema: como uma equipe quer parecer profissional fazendo nepotismo? Pior: como uma equipe quer ser respeitada demitindo o piloto responsável por 70% dos pontos da Racing Point nos últimos dois anos para manter o filho do dono? Tem mais: será que mandar embora o piloto responsável pela primeira vitória da equipe para trazer outro que enfrentava o pior ano de sua carreira é racional ou foi apenas uma jogada para valorizar o passe de Lance Stroll? Afinal, imagine se Lance Stroll bate um tetracampeão mundial, ainda que em baixa. Seria o que faltava pros defensores de Stroll para enquadrá-lo como um ''piloto de ponta''. Além do mais, Sebastian Vettel está em final de carreira, o foco da equipe para o longo prazo é claramente o filho do patrão.


O ex-chefe de equipe Collin Kolles acusou Lawrence Stroll de demitir Pérez, que superava Lance com frequência, para trazer Vettel como uma manobra para valorizar o passe de Lance Stroll.


    "Mas ele ganhou campeonatos na categoria de base", está me dizendo o grande analista de Fórmula 1. Me desculpe, esse é o argumento mais vazio que alguém pode usar pra defender Lance Stroll. Qualquer pessoa que fala isso certamente não assistiu a temporada de F3 de 2016. Eu assisti na época, então posso falar que foi a maior mentira. Stroll contou com inúmeras regalias (algumas até ilegais) para vencer aquele campeonato. Pra começar pelos companheiros de equipe: Max Gunther e Nick Cassidy, dois pilotos velhos para estarem na F3, que tinham como único objetivo orientar Lance, além de sempre serem obrigados a abrir passagem para o canadense em disputas na pista. Nas etapas de Paul Ricard, Hungaroring, Nürburgring e Zandvoort isso ficou claro: Cassidy e Gunther abriram escancaradamente a porta para Lance em disputas pela liderança, sem oferecer a menor resistência. Além disso, o carro de Lance Stroll (apenas) era o único na F3 que contava com um sistema de refrigeração com gelo seco antes da largada, o que fazia com que os freios ficassem na temperatura ideal e Lance tivesse largadas absurdas. E pra fechar, foi descoberto ainda, na etapa de Zandvoort que o carro de Lance Stroll (novamente, apenas o dele) contava com uma suspensão ilegal, provavelmente desenvolvida pela Williams. A única punição que Lance recebeu foi largar do final do grid naquela corrida, embora não se saiba exatamente por quantas etapas Lance utilizou aquela suspensão ilegal. Russell, que disputou aquela temporada, teceu fortes críticas aos benefícios que Lance recebia, mas ai, claro, caia naquele velho argumento de ''inveja''. Afinal, quem é George Russell perto do mito Lance Stroll?

    Sim, eu estaria sendo ingênuo em dizer que apenas Lance Stroll foi favorecido nas categorias de base. Se na Fórmula 1 nós vemos favorecimento interno à pilotos pagantes, nas categorias de acesso a parada é ainda mais escancarada. É por isso, aliás, que se você notar, todos os campeões de uma categoria de base na maioria das vezes são apoiados por alguma montadora, ou é bancado por um forte patrocinador, ou tem um pai bilionário. A única categoria minimamente competitiva de fato talvez seja F2. De resto, 90% são categorias artificiais onde quem investe mais dinheiro na equipe ganha.

    Voltando a Fórmula 1, desde a antiga Racing Point, os marketeiros da equipe vêm tentando limpar a imagem de ''piloto bilionário'' que Lance tem através de ações nas redes sociais e declarações na imprensa. Em seu Instagram, a Racing Point fazia constantemente posts relembrando momentos de suas antecessoras Jordan, Midland, Spyker e Force India, em uma clara tentativa de vincular sua imagem ao legado destas equipes e afastar a ideia de que a Racing Point é a ''equipe do filho do dono'', e agora, o mesmo ocorre, só que usando o nome Aston Martin.

    A presença da Aston Martin na Fórmula 1 não passa de um puro joguinho para limpar a imagem de Stroll. Desde sua aquisição, a nova equipe faz um belo trabalho de marketing para angariar novos fãs. Além do trabalho nas mídias sociais, sua bela pintura, seu tradicional nome e a presença de Sebastian Vettel foi suficiente para que a equipe ganhasse milhares de fãs antes mesmo de sua estreia. E a combinação de todos esses fatores acaba por ofuscar a ideia de que é a ''equipe do filho do dono''. Lance usa da imagem e da glória da Aston Martin para parecer que está na F1 por mérito próprio.

    Esse nepotismo beira o amadorismo, afinal, não estamos mais falando de uma equipe independente desesperada por dinheiro como Haas e Williams, e sim de uma das fabricantes de carros de luxo mais renomadas do mundo. Ninguém se importaria se fosse com a Racing Point. Mas a Aston Martin tem um nome a zelar. Pense se Toto Wolff de repente anunciasse Susie Wolff como substituta de Bottas para 2022? Claro que isso não aconteceria, porque isso colocaria em xeque o nome e a credibilidade de uma marca tão conceituada como Mercedes. Lawrence Stroll não está nem ai para a Aston Martin, só se importa com a carreira de seu filho e o dia em que este deixar a F1, a Aston Martin sai de cena junto. É um verdadeiro desrespeito utilizar de uma empresa desse tamanho para um projeto pessoal de fazer Stroll campeão mundial.


Lance Stroll: ex-piloto pagante.

    É verdade que até mesmo as montadoras já optaram por pilotos pagantes. O próprio Toto Wolff disse, em 2017, que o patrocínio da Wihuri foi levado em conta para contratar Valtteri Bottas. Mas Lance Stroll nem se encaixa mais no rótulo de piloto pagante, já que não está mais na F1 por causa do dinheiro. Diferente de Michael Latifi e Dmitry Mazepin, o pai de Stroll não é um patrociandor ou investidor da equipe, e sim dono, logo, independente de Lance estar na F1 ou não, Lawrence seguirá sendo o acionista-majoritário da Aston Martin. 

    A Aston Martin que estamos vendo no grid não é a verdadeira Aston Martin. O nome está lá, mas é apenas uma Racing Point com outro nome. O bilionário canadense sabe que Lance jamais será contratado por uma das gigantes como Mercedes, Ferrari, Red Bull e McLaren, logo, Lawrence simplesmente resolveu criar a sua própria gigante da F1. Uma pena que tenha decidido explorar justamente o nome da Aston Martin para isso.

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