O triângulo amoroso da Alpine

    ''Ou ela, ou eu'' 

   Desenterrar Fernando Alonso para comandar o novo projeto da Renault após a saída de Ricciardo foi uma decisão um tanto ousada. De início, parecia muito mais uma escolha tampão para no máximo dois anos enquanto Ocon se preparava para liderar a equipe no futuro. Até porque nem se sabia como Alonso iria se readaptar à Fórmula 1 após duas temporadas fora, se o corpo iria aguentar carros com tamanho desgaste físico, se estava com os reflexos em dia, se a crise de meia-idade não iria ofuscar sua pilotagem... O último quarentão a desistir de sua aposentadoria havia sido Michael Schumacher pela Mercedes, que sofreu para se adaptar com os carros completamente diferentes do que havia pilotado apenas três temporadas antes. Porém, Don Fernando mostrou que sua juventude só irá acabar quando seu coração parar de bater. Consegue andar no mesmo nível de Ocon e se adaptou tão bem aos novos monopostos que decidiu deixar de lado o papo de se aposentar ao final do contrato e ficar de vez na F1 - ou pelo menos até o coração aguentar.

    O problema é que a Alpine está com uma joia encostada na geladeira e que precisa provar seu talento antes que passe do prazo de validade. Oscar Piastri foi campeão da F2 em 2021 e está perdendo ritmo de corrida enquanto a Alpine não decide entre ele ou Alonso. A Alpine já havia dito um belo ''não'' quanto a possibilidade de emprestar sua promessa para a Alfa Romeo no ano passado, colocando-o como piloto de desenvolvimento e garantindo que daria uma chance ao jovem australiano. Porém, com Alonso entregando resultados e sem querer saber de aposentadoria, a Alpine entrou em um lindo caso de triângulo amoroso. Me lembra até um amigo meu que amava duas moças. Elas o pressionavam para se decidir: ''ou ela, ou eu''. Ele respondia ''Sem ela eu não vivo, e sem você não sei ficar''. No fim, as duas caíram fora e ele ficou chupando dedo.

    A mesma coisa aconteceu aqui. Os dirigentes da Alpine não queriam demitir Alonso, mas também não queriam perder Piastri. A indecisão chegou ao ponto de Alonso e Piastri terem ficado de saco cheio de esperar e resolverem decidir seu futuro por conta própria. Alonso aproveitou a aposentadoria de Vettel e foi para a Aston Martin, dando livre acesso para Piastri chegar a tão esperada vaga. Mas da pior forma, os dirigentes da Alpine descobriram que sua promessa também caiu fora: ao que tudo indica, assinou com a McLaren já para o ano que vem. Como dizia Silvio Santos no Roda-Roda: ''Perdeu tudo''. Pelo menos, poderão repatriar Daniel Ricciardo, que deve ficar livre no mercado caso a ida de Piastri para a McLaren se concretize.

   A verdade é que os chefões da Alpine precisavam de alguma desculpa para justificar aos chefões da Renault os milhões destinados ao programa de formação de jovens pilotos. É claro que pesa a ausência de uma equipe-parceira como Ferrari, Red Bull e Mercedes tem com Haas, AlphaTauri e Williams. Mas a quantidade de pilotos que a Alpine tem em sua Academia é completamente absurda para uma equipe que não tem nem lugar na F1 para colocá-los. Para efeito de comparação, a Mercedes teve em seu programa de jovens pilotos apenas Pascal Wehrlein, Esteban Ocon e George Russell. Todos chegaram a Fórmula 1 com sucesso. O próximo na fila é Frederik Vesti, que está na F3. Paul Aron, que está na F-Regional, e Alex Powell e Andrea Antonelli, estes ainda no kart. A maioria destes pilotos já são apoiados na Mercedes ainda no kart. Por coincidência, ninguém nunca foi demitido do programa. Já a Alpine teve incríveis 22 pilotos em sua academia de 2016 para cá, sendo que destes, 18 já deixaram o programa. Destes, nenhum conseguiu chegar à F1 por meio da Renault. Ocon estreou em 2016 pela Manor já sob a tutela da Mercedes, Zhou também abandonou o programa e assinou com a Alfa Romeo por conta própria. O resto ficou chupando dedo e tiveram que se contentar com uma vaguinha na Formula E ou em outra categoria. 

    Com esse retrospecto, ficou difícil para Piastri imaginar que teria algum futuro na Alpine. De qualquer forma, a lição que se aprendemos hoje é confirmar com a pessoa antes de anunciar alguma coisa nas redes sociais.