Boas corridas, mas ainda monótona - Análise da temporada de F1 de 2020



     Depois de começar com um atraso de 3 meses e meio devido a pandemia da COVID-19, enfim a temporada de 2020 da Fórmula 1 terminou. A temporada começou de forma bizarra, em meio a protestos de parte da população de Melbourne que pedia para não ter corrida, descoberta de dois casos de coronavírus que fez com que a McLaren desistisse de participar da corrida e, por fim, o cancelamento do GP da Austrália poucas horas antes dos carros irem para a pista. Uma medida um tanto desastrada por parte da Liberty Media. E a temporada em si? Tivemos momentos muito bons, com corridas animadas, o fim da divisão entre ''F1 A'' e ''F1 B'', mas por outro lado, tivemos momentos absurdamente tediosos de domínio absoluto do Hamilton.

    A previsão inicial era uma temporada de 22 corridas, mas 13 delas foram canceladas, e para suprir essa demanda por corridas tivemos rodadas duplas na Áustria, Grã-Bretanha e Bahrein, e corridas em novos (ou velhos) lugares. Tivemos a oportunidade de rever Ímola, Nürburgring e Istanbul Park depois de anos, e também tivemos a oportunidade de ver pistas que nunca tínhamos visto antes, como o Autódromo de Portimão e o de Mugello. É ótimo conhecer novos lugares, novas pistas, fazer traçados diferentes, como o anel externo de Sakhir, mas ao que parece, no ano que vem tudo voltará ao normal. Volta a ter 22 corridas, e o GP do Vietnã pelo visto nem vai estrear. Cancelado nesse ano devido a pandemia, foi cancelado para o ano que vem também. A pista parecia legal, mas não fará falta. Para o seu lugar vem uma corrida na opressora e nada simpática Arábia Saudita.  

    Acordar cedo para assistir a classificação se tornou uma perda de tempo. Eu mesmo cheguei a um momento em que desisti. Hamilton fez praticamente todas as poles do ano, e quando não, foi o Bottas. Stroll e Verstappen pelo menos conseguiram uma ali, mas de resto, foi só Mercedes. Para mim esse domínio não é mais saudável. A FIA ou a Liberty precisa fazer alguma coisa para evitar que o mesmo ocorra em 2022. Uma categoria que é dominada pela mesma equipe há 7 temporadas não é normal. Se antes tínhamos Rosberg, que pelo menos conseguia bater de frente com Hamilton e dar uma emoção ao campeonato, Bottas é um bundão que não consegue fazer nada. E irá continuar pro próximo ano, de novo, porque é o protegido de Wolff.


Hamilton igualou Schumacher em títulos e também se tornou no maior vitorioso da categoria.


    Para a Mercedes, essa foi talvez sua melhor temporada, com domínio absoluto em todas as pistas. Helmut Marko que no início do ano jurava que a Red Bull conseguiria brigar de igual com Hamilton e Bottas, queimou a língua. Verstappen em pouquíssimos momentos conseguiu brigar com os alemães, ficando em terceiro na maioria das provas, isso quando o motor não quebrava. Aliás, a Red Bull tem seu futuro incerto, pois a Honda já anunciou que deixará a Fórmula 1 no final de 2021. A Renault a gente até esperava que podia acontecer, mas a saída da Honda surpreende, principalmente porque a montadora japonesa vinha evoluindo muito bem e se mostrou a única capaz de bater a Mercedes no longo prazo. Parece que a FIA terá que fazer grandes mudanças no regulamento de motores se quiser parar de perder montadoras para a Formula E, mas se eu conheço bem Jean Todt, sei que ele está amando isso, afinal, não teve presidente da FIA que favoreceu mais a categoria elétrica de monopostos que Jean Todt. A justificativa do presidente para mimar tanto a turma de Agag é que ''A FE é um bebê de 6 anos, enquanto a F1 é um idoso de 70 anos''. É tipo aquela vó que mima só um neto, mas jura amar todos igualmente.

    A Ferrari, tida como grande surpresa negativa da temporada, mas para mim não foi tão surpreendente sua queda de ritmo nesse ano. Já era esperado que os italianos teriam um 2020 difícil após toda aquela confusão-secreta nos motores do ano passado que até hoje a FIA não conta o que tinha naquele motor. O próprio Binotto já avisava que o carro desse ano seria péssimo. E de fato foi. Tá certo que a Ferrari vez ou outra costume fazer carros péssimos e temporadas terríveis como 2014, 2009, 1986 e 1980, mas 2020 parece ter sido o pior de todos. A verdade é que a Ferrari já vinha enganando muita gente desde o ano passado. O SF90 era extremamente veloz, mas apenas de volta rápida. Em uma corrida de 60 voltas perdia a consistência e sofria nas voltas finais. Não a toa, as duas vitórias de Leclerc no ano passado foram sofríveis, com a Mercedes chegando duro nas voltas finais, e o monegasco só não perdeu na Bélgica porque Vettel lhe deu uma ajudada ao segurar Hamilton no primeiro stint e pela batida de Giovinazzi nas voltas finais, enquanto na Itália, Hamilton errou na hora que tentava uma manobra de ultrapassagem sobre Leclerc, também no final. Também tiveram a vitória de Vettel em Singapura, mas não tem como considerar uma pista onde é quase impossível ultrapassar.


SF1000 entrou no hall dos piores carros já feitos em Maranello.


    Na sexta posição, a Ferrari pode até apresentar uma leve melhora para 2021, mas dificilmente será algo que a faça brigar por vitórias novamente, visto que o regulamento continua o mesmo e há o congelamento de desenvolvimento de chassi para o ano que vem. E quem leva a culpa? O primeiro nome que vem a mente é Mattia Binotto, que desde sua chegada ao topo da Scuderia em 2019 vem sendo questionado. Em meio a uma guerra interna pela chefia, o presidente da Ferrari demitiu Maurizio Arrivabene, que fora chefe de equipe da equipe de 2015 a 2018 e foi um dos responsáveis pela ascensão da equipe depois de péssimos anos com Domenicali. Porém, a Ferrari estava com medo de perder Mattia - que na época era diretor-técnico - caso Arrivabene continuasse no comando, e acabou favorecendo Binotto. Eu mesmo sempre questionei essa decisão, porque você ser diretor-técnico é uma coisa, uma coisa que Mattia Binotto fazia muito bem por sinal, mas ser chefe de equipe é outra missão totalmente diferente. Se realmente dará certo, apenas o tempo dirá.

    Ainda falando de Ferrari, antes mesmo do início da temporada já mandaram Seb para a rua. Trouxeram Carlos Sainz para o seu lugar. O tião alemão fez um certo suspense sobre o destino de sua carreira, chegou a falar de Mercedes, Red Bull, aposentadoria, mas acabou indo para a futura Aston Martin. Pérez - que tinha acertado um contrato de longo prazo com o time de Lawrence Stroll - rodou, até porque o filhinho do dono não seria mandado embora. Agora a única alternativa para o mexicano na F1 é a Red Bull, onde ainda concorre com Albon e Hülkenberg. Este último aliás, foi o substituto do ano, participou de três corridas na Racing Point e fez um ótimo trabalho, mostrando que ainda está em forma para continuar correndo. Seja lá quem for o escolhido, o GP de Abu Dhabi de ontem pode ter sido o último de Pérez... Ou não. A Renault, que fez um bom carro dessa vez, perdeu Ricciardo para a McLaren, e trouxe de volta Fernando Alonso. É uma aposta, apenas. Fernando já está velho e veremos se sua volta não será como a do Schumacher em 2010. 

    Quem acompanha este blog há algum tempo sabe que uma das coisas que eu mais sentia falta na F1 era a maior variedade de equipes brigando por vitórias ou pelo menos pódios. Para quem já viu Jenson Button vencer de Honda, Vettel de Toro Rosso, Maldonado de Williams, Kimi de Lotus ou Fisichella de Jordan sabe do que estou falando. Nos últimos seis anos tivemos que nos contentar em ver sempre as mesmas três equipes brigarem por vitórias e até mesmo por pódios, onde em todas as vezes, um piloto do pelotão intermediário só conseguia chegar ao pódio se três pilotos da F1 A tivessem problemas durante a corrida, e isso só acontecia pelo menos uma vez por temporada, sendo sempre 7 o número de pilotos que iam ao pódio no ano, nos quais 6 deles eram de Mercedes, Ferrari e Red Bull e o outro 1 que sobrava era algum sortudo de outra equipe. Esse ano foi diferente.

    A queda da Ferrari abriu caminho para que outras equipes pudessem brigar por pódios, tais como Racing Point, McLaren, AlphaTauri e Renault. Não só isso, conseguimos finalmente ver pilotos de outras equipes que não Mercedes/Ferrari/Red Bull vencerem corridas, algo que não víamos desde o GP da Austrália de 2013, com a vitória de Kimi Räikkönen, ainda de Lotus. Desde o início da era híbrida, a F1 realmente se tornou algo extremamente previsível e monótono, de domínio absoluto e divisão de forças bem estabelecida. Ver um Kobayashi/Pérez largar na primeira fila de Sauber, Maldonado fazer pole position, Hülkenberg quase vencer uma corrida debaixo de chuva em Interlagos tornou-se algo impossível com os novos motores V6. Nesse ano, pudemos ver um Sainz de McLaren ultrapassar o Bottas de Mercedes, Renault e Racing Point às vezes até mais forte que Red Bull, e o pódio tornou-se algo não mais dependente apenas de sorte, e sim possível para as equipes intermediárias. Porém, ainda sim, dá pra aumentar essa briga pelo pódio. Em 2008, 9 das 10 equipes subiram pelo menos um degrau. Em 2012 foram 7. Mas já é um começo.


Flecha de rosa: Racing Point copiou e colou carro da Mercedes de 2019 e era a equipe para ficar de olho em 2020. Mas inconsistência lhe fizeram perder a terceira no Mundial de Construtores.

    Se a queda da Ferrari já foi um golpe duro para a própria, para as suas parceiras foi ainda pior. A Alfa Romeo, que vinha evoluindo desde o início de sua parceria com a Sauber teve uma grande queda, e a Haas foi simplesmente destronada. O time americano que entrou em 2016 como ''exemplo de nova equipe'' agora parece mais bagunçada que tudo, onde nem mesmo seus próprios mecânicos a levam à sério. Agora, a equipe de Kannapolis terá Mick Schumacher, campeão da F2, e Nikita Mazepin, bilionário filhinho de papai (e da puta) que não tem talento algum, mas tem dinheiro de sobra. Gene Haas parece já de saco cheio dessa brincadeira de ter time de F1 e pode vender a equipe para o pai de Nikita, Dmitry Mazepin, dono da Uralchem e da Uralkali, duas empresas obscuras russas.


George poderia ter salvado Williams da última colocação, mas inglês abusou dos erros.

    Depois de chegar ao fundo do poço em 2019, a Williams teve em 2020 o pior ano da sua história, sem nenhum ponto, apesar do carro ser melhor. Vendida nesse ano para o Dorilton Capital, a venda não quer dizer que o futuro da equipe seja bom. Nada dava para esperar de Latifi, e Russell foi uma máquina de perder pontos por erros bestas, desde o GP da Estíria, quando estava na zona de pontuação e errou sozinho. E esse foi o resumo de toda a sua temporada no time inglês esse ano. Boas classificações, péssimas corridas. Mas pelo menos impressionou em sua primeira e única corrida na Mercedes, dando um banho no Bottas. Aliás, uma puta sacanagem colocar o Hamilton de volta para o GP de Abu Dhabi. O cara já é campeão, pra que colocar ele? Dava mais uma chance pro garoto, principalmente depois da sacanagem que fizeram com ele na última corrida. Mas, fazer o que...

    Agora falando dos pilotos, vamos resumir a parada: 

  • Quem foi bem: Ricciardo, Pérez, Gasly, Verstappen, Sainz e Norris.
  • Quem foi mal: Giovinazzi, Latifi, Magnussen, Räikkönen, Albon, Grosjean, Kvyat, Vettel e Stroll
    Pérez começou o ano mal, e eu cheguei até a não achar injusto sua demissão da Racing Point. O mexicano vinha tomando um pau de Lance Stroll, mas as coisas se inverteram na segunda metade do ano, com Sérgio dando um banho em Lance e fazendo as coisas voltarem ao normal. Ricciardo, Gasly, Sainz e Norris também fizeram trabalhos excelentes com o carro que tinham, chegando ao pódio, estando consistentemente nos pontos, com Ricciardo finalmente conseguindo o primeiro pódio da Renault, Gasly a segunda vitória da AlphaTauri e a dupla da McLaren sendo responsável pela terceira colocação da equipe de Woking no grid, mesmo sem ter o melhor carro. Também teve o Verstappen, que foi terceiro colocado na maioria das corridas, as vezes segundo, mas já é um feito e tanto considerando que em certas pistas a Mercedes era imbatível. Tinha também o Hamilton, mas não coloquei ele porque seria clichezão.
   
       O pior da temporada vai para Latifi, sem surpresas. Acho que não é novidade para ninguém, e era o que dava para se esperar dele. Tudo bem que o C39 e o VF-20 eram péssimos, mas a temporada da dupla da Alfa Romeo e Haas foram péssimas também. Räikkönen teve um início vergonhoso, mas até que conseguiu se recompor na segunda metade e fazer um bom trabalho, mas nada demais. Giovinazzi sempre foi ruim e Grosjean-Magnussen fizeram o mesmo que no ano passado. Vettel no final até que conseguiu seu primeiro pódio no ano, mas o tetracampeão foi  dominado por Leclerc o ano inteiro, eliminado diversas vezes no Q1 e novamente sofrendo com erros próprios. Vamos torcer para conseguir colocar a cabeça no lugar na Aston Martin. Kvyat teve como único momento de glória o quarto lugar em Ímola, de resto foi surrado por Gasly, o mesmo vale para o Stroll, que na segunda metade do ano teve uma queda absurda de rendimento e foi sugado por Pérez. Ocon quase entraria nessa lista, mas seu desempenho nessa reta final acabou convencendo. Sentindo falta de alguém? Pois é, deixei um parágrafo reservado para ele.


Red Bull pode até ser ''moedora de carne'', mas Albon não se ajudou e agora seu futuro vai        depender da boa vontade de Christian Horner e Helmut Marko.

    
    Considerado por muitos o pior da temporada, Albon de fato foi indefensável. Mas tinha muita expectativa em cima dele. Lembro de diversos jornalistas (muito bem conceituados até) dizerem que ele chegaria na frente do Bottas, que até venceria corridas e tal. No início do ano, escrevi o que dava para esperar dele, e disse que dificilmente venceria corridas e seria novamente o escudeiro do Verstappen, brigando no máximo por pódios. Foi mais ou menos isso que aconteceu, mas Albon não ajudou também. Com o carro que teve, nada justifica ser eliminado no Q2 diversas vezes e ficar fora dos pontos. Mas Gasly também fez um trabalho péssimo na RBR no ano passado. E agora? Será que fica no ano que vem ou vai Pérez/Hülkenberg? Eu de início não acreditava na possibilidade de um piloto fora do time júnior da Red Bull na equipe principal, e nos últimos dias Horner deu pistas que renovaria com o tailandês, mas andou surgindo uns boatos hoje que Pérez estaria negociando... Enquanto isso, rumores dizem que Verstappen estava querendo Hülkenberg. Honestamente? Não sei. Mas não me surpreenderia se Albon continuasse para o ano que vem.

    Já no Brasil, a Liberty só fez cagada. Deixou o futuro da categoria no país nas mãos de uma empresa-fantasma sem CNPJ, que já tinha dado calotes em diversas outras empresas, entre elas o grupo Disney, com os direitos de transmissão da MotoGP. Ainda sim a Liberty assinou com a tal da Rio Motorsports para realização do GP do Rio de Janeiro em 2021 em um autódromo inexistente e também deixou os direitos de transmissão nas mãos do grupo carioca e não deu outra: agora a Liberty corre desesperada atrás da Globo para conseguir ter algum lugar para transmitir a F1 no Brasil no ano que vem e assinou com Interlagos para os próximos cinco anos, porém sem o título de ''GP do Brasil'', e sim ''GP de São Paulo'', porque a Liberty, ao assinar com a Rio Motorsports, passou o título de GP do Brasil para a empresa-fantasma carioca. Palmas para a Liberty. Eu já escrevi de forma mais detalhada nesse texto e nesse outro, recomendo darem uma lida depois de ler este.

    Antes de ir, queria aproveitar para fazer duas críticas: o safety-car e as entrevistas pós-corridas. O novo diretor de provas, Michael Masi, substituto de Charlie Whiting é conhecido como o ''maníaco do SC''. Um simples detrito na pista? Safety car. Quebra, mesmo com o piloto tirando o carro da pista? Safety car. Rodada? Safety car. É óbvio que o safety car é um diferencial que pode dar emoções a uma corrida chata, mas por outro lado, o seu uso em excesso torna as corridas sem credibilidade e estraga totalmente momentos interessantes da prova. Eu perdi as contas de quantas vezes o safety car foi acionado de forma totalmente desnecessária nesse ano. Outra coisa que a FIA precisa rever é as entrevistas pós-corrida e qualificação que estão extremamente longas. Antigamente, quando era feita no pódio, era só uma perguntinha simples, pá, que o piloto respondia em poucos segundos. Agora não. As entrevistas duram 7, 8, até mesmo 9 minutos. É por esse motivo que a Globo parou de exibir o pódio, por exemplo. As TVs não tem tempo suficiente na grade pra passar toda essa falação e depois ainda mostrar a festa do pódio. Quer manter elas longas como estão? Então coloque para depois da festa do champagne, como era feito nos últimos anos. 

    Se o fim da temporada é positivo ou negativo, nenhum dos dois. A expectativa é que 2021 seja a mesma coisa, já que o regulamento é o mesmo, então pouca coisa deve mudar. A única curiosidade fica com a McLaren, que virá de motores Mercedes e a Aston Martin. Talvez a volta de Alonso. De resto, tudo indica que será outro ano de domínio absoluto do Hamilton. Novamente, a única coisa que nos resta será torcer por corridas malucas.
   
    

    

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